Entre a Exigência da Resiliência e o Silêncio do Sofrimento
- pastorsantinel
- 13 de mai.
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VIvemos uma época marcada pela idealização da resiliência como virtude suprema. No ambiente de trabalho, ser resiliente passou a significar suportar silenciosamente pressões excessivas, lidar com sobrecargas emocionais e operacionais sem demonstrar fragilidade, e adaptar-se constantemente a mudanças impostas por lógicas de produtividade que, muitas vezes, desconsideram os limites humanos. Esse cenário tem provocado um crescente adoecimento psíquico, que não pode ser compreendido apenas como uma questão individual, mas como um sintoma da articulação entre o micro e o macro social — campos que, juntos, moldam a forma como os sujeitos se posicionam e sofrem.
No nível microssocial, as relações interpessoais no trabalho são atravessadas por exigências implícitas: não se pode recusar tarefas, não se deve demonstrar cansaço, e é perigoso mostrar vulnerabilidade. A cultura interna de muitas empresas reforça um modelo de sujeito ideal — proativo, multifuncional, sempre disponível. Essa cobrança opera como um supereu cruel, nos termos freudianos, que quanto mais se obedece, mais cobra. E o sujeito, dividido entre seus limites e esse ideal imposto, passa a sofrer calado, pois admitir sofrimento é lido como fraqueza.
No nível macrossocial, essa lógica é sustentada por um discurso dominante: o discurso capitalista — como nomeado por Lacan — que promete gozo ilimitado e felicidade via consumo, desempenho e superação. O sujeito é empurrado a desejar mais, a produzir mais, a “ser melhor”, num ciclo sem fim. A resiliência, nesse contexto, deixa de ser uma capacidade de enfrentamento e passa a ser uma obrigação narcísica: ser resiliente é ser digno de valorização social; não ser é tornar-se descartável.
O resultado é um cenário onde o sujeito não encontra espaço para simbolizar sua dor. Ele sente, mas não consegue nomear; sofre, mas não se autoriza a reclamar. A angústia se acumula, o corpo adoece, e os sintomas aparecem: crises de ansiedade, insônia, burnout, depressão. A clínica psicanalítica revela, nesse ponto, que o sujeito não está “fraco”, mas aprisionado em um discurso que interditou o direito de dizer ‘não’.
Portanto, o adoecimento psíquico no trabalho não pode ser entendido apenas como fragilidade pessoal. Ele é uma resposta subjetiva à sobreposição entre o que o macro exige — o ideal do sujeito incansável — e o que o micro impõe — um cotidiano sem escuta, sem pausa e sem cuidado. A tarefa ética da psicanálise, nesse contexto, é abrir espaço para que o sujeito possa se escutar, reencontrar seus limites e se reposicionar diante de um sistema que o empurra para além de si mesmo.



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