A Mãe: Entre o Colo e o Corte
- pastorsantinel
- 16 de mai.
- 2 min de leitura

A figura da mãe é, talvez, o primeiro mistério que experimentamos. Ela nos dá o ser — não apenas biologicamente, mas existencialmente. É no seu olhar que nos vemos pela primeira vez, é no seu corpo que habitamos antes mesmo de saber que somos. Ela nos acolhe no ventre, nos embala nos braços e, em silêncio, nos oferece o mundo.
Mas esse vínculo profundo também carrega uma tensão inevitável: o amor materno precisa aprender a deixar ir.
A psicanálise nos ensina que a relação com a mãe é fundante, mas também perigosa se permanecer absoluta. Quando a mãe ocupa todo o espaço do desejo, o filho pode perder-se em si mesmo, sem margem para se tornar sujeito. Por isso, a função materna saudável exige algo paradoxal: ela deve nutrir, mas também permitir a frustração; acolher, mas também abrir caminho para a ausência.
Esse é o drama amoroso da maternidade: amar o suficiente para libertar.
A Bíblia nos oferece imagens que ecoam essa complexidade. Deus se revela como El Shaddai, o Deus que nutre — expressão que pode ser relacionada à palavra hebraica shad, que significa “seios”. Esse nome nos remete a uma divindade que amamenta, sustenta, embala. Um Deus com traços de mãe.
Mas esse mesmo Deus, que acolhe como uma galinha seus pintinhos debaixo das asas (Lucas 13:34), também permite que os filhos caminhem com os próprios pés, mesmo que tropeçando. Maria, a mãe de Jesus, viveu esse processo até o extremo: ela gerou, criou, acompanhou — e por fim, assistiu ao Filho entregar-se ao mundo, mesmo quando isso significou vê-lo crucificado. Ela não o impediu. Ela não fugiu. Ela permaneceu. E no seu silêncio, ela mostrou que o verdadeiro amor materno não é posse, mas presença.
Ser mãe, portanto, é estar disposta a viver entre dois movimentos: o colo que dá segurança e o corte que permite crescer. É saber que amar é também aceitar que o filho pertença ao mundo — e não apenas a ela.
E para o filho, crescer é reconhecer esse amor não como ausência ou rejeição, mas como um espaço que foi aberto com dor e coragem, para que ele se tornasse quem é.
No fim, o vínculo não se quebra. Ele amadurece. Transforma-se em gratidão, em reverência, em memória viva. E mesmo quando a mãe se vai, algo dela permanece em nós — como a voz que um dia disse: “Você pode ir. Eu estarei aqui.”



Comentários