Dependência Emocional Espiritualizada: Quando o Vazio é Confundido com Fé
- pastorsantinel
- 16 de mai.
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A dependência emocional, no campo da psicanálise, emerge como uma tentativa inconsciente de preencher um vazio estrutural. Esse vazio, muitas vezes inscrito na infância, está ligado a falhas no ambiente primário — especialmente na relação mãe-bebê. Quando o cuidado é instável, quando o afeto é condicionado ou o vínculo é marcado pela ausência simbólica, o sujeito cresce com um buraco no Eu. E esse buraco exige preenchimento.
Segundo Winnicott, a mãe suficientemente boa não é perfeita, mas é aquela que, por um tempo, se adapta quase totalmente às necessidades do bebê — oferecendo segurança, continuidade e presença. Quando isso falha de forma grave ou repetitiva, o indivíduo tende a construir um falso self para sobreviver à angústia de desintegração. E este falso self, mais tarde, busca desesperadamente figuras externas que tragam ilusão de completude.
Na vida adulta, essa busca se desloca para figuras amorosas, amizades… e, em muitos casos, líderes religiosos ou experiências espirituais.
É aí que a dependência emocional se espiritualiza.
A fé saudável se torna relação de submissão cega; a busca por Deus se mistura à necessidade de aprovação; o pastor é confundido com pai; a igreja com lar; a doutrina com certeza absoluta que anestesia a angústia. Não há elaboração simbólica da falta — há uma colonização da subjetividade por discursos que prometem cura sem escuta, salvação sem elaboração, amor sem frustração.
No discurso religioso, frases como “Jesus é tudo que você precisa” ou “Você não pode confiar em si mesmo, só em Deus” podem funcionar como defesas maníacas, isto é, formas de recalcar a dor real, negando a vulnerabilidade psíquica em nome de uma fé idealizada. Essa fé vira compensação e não relação. Vira sintoma, não encontro.
Teologicamente, a fé cristã não nega a subjetividade, nem a dor — ela a atravessa.
O Cristo bíblico não é aquele que exige submissão alienada, mas aquele que convida ao seguimento consciente. Ele não apaga o desejo humano, mas o redireciona. Ele não se apresenta como substituto de todas as relações, mas como aquele que dá sentido à experiência de amor e perda. Sua relação com os discípulos não era de dominação emocional, mas de libertação psíquica: “Já não vos chamo servos, mas amigos…” (João 15:15).
A dependência emocional espiritualizada aprisiona. A fé verdadeira amadurece.
Crescer espiritualmente é, muitas vezes, romper com as ilusões que mascaravam a dor, e permitir que Deus não seja usado como substituto daquilo que faltou — mas como presença amorosa que nos ensina a viver com a falta.
Porque a graça não nos infantiliza. Ela nos amadurece.



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